Sou um daqueles típicos caras que começaram a tocar nos anos 1980. Naquela década cada bairro, cada colégio, cada sala de aula tinha ao menos uma banda louca para conquistar todas as velhas – na época atualíssimas – promessas do rock. Comigo não foi diferente, ao longo daqueles anos primeiro cantando, depois compondo e tocando contrabaixo, toquei em meia dúzia de grupos que primavam pelo improviso. Foi uma boa escola. Ensaiar dia após dia sem conseguir onde tocar. Ou tocar para meia dúzia de amigos. Foi uma boa escola sobre os grandes esforços e as pequenas recompensas externas da carreira artística. As internas foram inúmeras, a maior delas, provavelmente, compartilhar horas memoráveis com algumas das pessoas mais bacanas que já conheci. Por mais improvisadas que as coisas fossem sempre achei que faria uma carreira como músico, e de certa forma, dentro de um circuito restrito posso dizer que participei de bons momentos. O primeiro foi o "cd promo" que gravei com o poeta João Carlos Rocha Campos num projeto chamado Charme de quem anda. Gravamos num estúdio numa casa charmosa do Pacaembu enquanto um nome tomava nossos pensamentos: Marina Lima. Naquela época Marina significava para nós tudo o que se espera de um artista pop de qualidade: refinamento e contundência, arrojo e simplicidade. Por sorte Marina estava lançando naquele período um selo para novos talentos, e depois de muita insistência conseguimos que uma das nossas demos chegasse às suas mãos. Estávamos ali por volta da metade dos anos 1990, e foi realmente uma surpresa quando o telefone de casa tocou e ela do outro lado da linha começou a falar das nossas músicas. Marina nos tratou com a mesma elegância com que cuidava de seus discos, apontando pontos importantes sobre o nosso trabalho.
Resgatei duas faixas daquela época que você pode ouvir aqui.
O certo é que depois daquele contato a coisa não andou mais e o próprio selo da Marina não durou muito – talvez um anúncio do que aconteceria com a indústria musical nos anos seguintes. Nossa demo rodou uma série de gravadoras, tivemos algumas reuniões, mas acabamos vencidos pelo cansaço de esperar sem que nada se concretizasse. Fiquei alguns anos sem nenhuma banda fixa, até que no começo dos anos 2000 comecei a trabalhar com o Apolo. Na época ele era um produtor promissor que pouco tempo antes havia produzido o primeiro disco do Otto. Eu era uma espécie de faz-tudo da caverna que ele tinha no porão de uma casa na Vila Mariana. Foi uma época bem bacana em que participei de gravações com gente muito talentosa como o João Parayba do Trio Mocotó e os caras da Nação Zumbi entre outros. Foi mais ou menos nesse período que reencontrei o Douglas Kim, velho amigo de adolescência, e resolvemos, depois de algumas cervejas, criar o Lester. O mais bacana nessa história é saber que a única promessa que nos fizemos – ter uma banda que unisse peso e groove – foi seguida à risca até nosso último show. De certa forma posso dizer que o Lester foi um sucesso. Se não em vendagem ou clamor popular, com certeza em termos de resultado artístico. Mais do que as críticas e a indicação a prêmios como VMB da MTV no impacto que o som causava em que se interessava em nos ouvir. Éramos um trio, o Kim na guitarra, eu no baixo e o Toni Nogueira num instrumento que ele inventou – a instrumela. Mas logo o Douglas começou a fazer uma ponte com a cena mais importante que acontecia em São Paulo naquele tempo: o hip hop. A lista de artistas com quem tivemos o prazer de dividir o palco naqueles anos dava uma seleção do gênero: de Thaíde a RZO, de Jamal a Ferréz, na maior parte das vezes acompanhados pelo genial DJ King. Foi esse espírito que levamos para o "Clown", nosso primeiro e único disco. Conseguimos o Arto Lindsay, que havia tocado com o Toni, para produzir, e gravamos no místico estúdio do Kuaker, na Vila Madalena, o mesmo em que anos antes a Bebel Gilberto havia gravado "Tanto tempo", o disco que mudou os padrões de sucesso internacional de um artista brasileiro. Apesar da carreira rápida e intensa – a banda acabou em 2004 – o Lester responde por alguns dos melhores momentos que tive na música, e com certeza é o trabalho que registra as minhas melhores performances nessa carreira que fui abandonando lentamente enquanto começava a escrever.
Aqui você pode ouvir todas as faixas de "Clown", o disco do Lester.